A semeadura do amor
Quando uma alma vos chega às mãos. Encerra no corpo tenro de uma criança, não penseis que se trata de um ser amorfo, para se modelar segundo o figurino que trazeis em mente. A alma que vos chega é semente que volta ao solo da matéria, para germinar uma nova personalidade, mas guarda a reminiscência de todas as personalidades frondosas que já foi, de todos os jardins que já habitou... O Espírito humano em si mesmo é uma semente de divindade, cuja promessa de acabamento e realização se renova a cada revivência no mundo-a cujo desabrochar completo, apenas o suceder dos milênios vai assistir.
Mas quão pouco cuidado, quão pequena reverência, ofertamos ao Espírito que vem habitar um novo corpo! Deveríamos nos sentir honrados pela confiança divina ao depositar em nossas mãos uma alma que se torna novamente embrionária, para recordar em novas condições! Deveríamos corresponder ao crédito que a Providência nos dá, permitindo-nos a oportunidade de ajudar a cultivar o jardim espiritual de um outro ser, pelo processo da Educação! Deveríamos ser agradecidos à bênção de receber na forma de filho, neto, aluno- na aparência suave da criança- um Espírito companheiro, um irmão em humanidade, um peregrino da evolução!
E, no entanto, tantas vezes, tornamos essa bendita oportunidade de um fato corriqueiro, cujo deslumbramento inicial vai pouco a pouco se esvaindo na rotina morna do cotidiano. E vamos transformando a graça de receber um Espírito e a oportunidade de ajudar em sua Educação, na desgraça da indiferença, que vai resultar na catástrofe do fracasso...
É preciso, pois, para ser educador, com a dignidade que esse título merece, jamais perder o encantamento de olhar o outro-o outro-educando-nunca deixar o gosto de descobri-lo, o prazer de cultivá-lo, a graça de reencontrá-lo e de nos tornarmos determinantes em sua vida. Quando digo determinantes, não quero dizer que nos cabe determinar sua personalidade e seu destino. Ao invés, mais eficaz será nossa influência, quanto maior papel tivermos exercido para que a criança se descubra a si própria, se desvende como portadora de talentos inatos, como dona de sua alma e como cumpridora do destino que a trouxe à Terra, para edificação de si própria!
Quanto mais soubermos orientar para que o Espírito se ache, se aperceba de si, mais inesquecível será nossa presença na vida de alguém. E só conquistamos esse poder de entregar o educando a si mesmo, na medida em que nosso amor o acompanhe nessa descoberta de si! Amar é desvendar o mistério profundo do ser- e só quem se aproxima do outro ser humano com o condão mágico do amor, terá a sabedoria de alçá-lo à altura de si mesmo, de ajudá-lo a abrir as portas de seus tesouros mais ocultos.
Que supremo regozijo o de quem consegue amar alguém ao ponto de se tornar uma referência vital para o progresso da alma amada! Que único e verdadeiro poder o de ter a capacidade de entregar o outro a si mesmo, ao que ele tem de melhor dentro de si! As mães têm naturalmente o germe desse poder, que deve ser purificado de suas feições possessivas, para atingir a sublimidade do completo sacrifício de si. Nunca vistes assassinos e tiranos se aquietarem enternecidos no colo materno? Ora, é porque o amor maternal pode alcançar o que há de divino, mesmo no Espírito mais empedernido!
Mas todos podemos e devemos desenvolver esse amor, dentro de nossas almas, pois ele é o reflexo de Deus em nós. Quem não busca possuir esse amor não pode se dedicar ao ato sagrado da Educação. Porque o educador verdadeiro só consegue extrair a luz mais recôndita de seus discípulos, pelo fórceps desse amor, que se empenha pelo ser amado, mas nunca o violenta.
Porfiai por conquistar essa dilatação íntima, que consiste em primeiro lugar numa reverência profunda pela humanidade, numa comunhão íntima com Deus, o Criador que se espelha em todas as criaturas, num sair constante de si mesmo, para buscar o coração alheio... Feliz de quem conhece esse estado de espírito e esparge o perfume desse amor ao reder de seus passos-esse não conhece o cansaço, a ingratidão não o atinge, e todos os esforços feitos, eles os entrega a Deus, o único zelador das sementes semeadas, o único depositário dos frutos que não nos pertencem... Quem assim educa não está preocupado com o resultado imediato de seu empenho, mas sabe entregar à eternidade a esperança da frutificação!...
Maria Montessori, por Dora Incontri, no livro “Educação segundo o Espiritismo”.
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